Abordagens para a sustentabilidade na agricultura brasileira: aliando conservação ambiental e crescimento econômico

O PlanaFlor, ou Plano Estratégico para Implementação do Código Florestal, pode ser um complemento meticuloso ao Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD) para o fortalecimento da agricultura sustentável no Brasil. Enquanto o PNCPD estabelece metas abrangentes para a recuperação de pastagens, o PlanaFlor vai além, identificando ações específicas para alcançar objetivos estratégicos e ampliando o foco com uma abordagem holística que dá suporte à visão do governo, facilitando a transição para uma agricultura sustentável que promove o crescimento econômico.

O governo federal do Brasil, por meio do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), anunciou em dezembro de 2023 o lançamento do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), com a ambiciosa meta de recuperar e converter até 40 milhões de hectares (Mha) de pastagens degradadas em um período de 10 anos. 

O PNCPD estabelece um objetivo de restauração que supera em 33% a meta de 30 Mha estipulada pelo Plano ABC+ (2020-2030) e mais do que dobra a meta de 15 Mha estabelecida pela Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, no âmbito do Acordo de Paris. 

De acordo com projeções do MAPA, a agricultura brasileira deve demandar 11,3 Mha de terras adicionais até 2030/31 e a produção de carne deve aumentar 17% entre 2020/21 e 2030/31, passando de 8,3 para 9,7 milhões de toneladas. Sem ganhos de produtividade, seriam necessários novos desmatamentos para atender a demanda de carne da ordem de 7 Mha

Totalmente alinhado às diretrizes do PNCPD, o PlanaFlor tem como eixo central a recuperação de pastagens degradadas e sua conversão para outros usos. O plano apresenta 104 ações para atingir 8 objetivos estratégicos de modo a promover o desenvolvimento sustentável a partir da implementação do Código Florestal, considerando o fortalecimento institucional de órgãos do governo, a expansão da agricultura sem desmatamento, da silvicultura, da agricultura de baixo carbono, da conservação dos remanescentes florestais e da recomposição dos passivos de vegetação nativa, assim como a reestruturação do sistema de crédito para promover os demais objetivos. 

O PlanaFlor identificou cerca de 75 Mha de pastagens degradadas no Brasil e propõe a recuperação e conversão de aproximadamente 44 Mha até 2030, área muito similar a apresentada pelo MAPA para o PNCPD. Destes, o PlanaFlor sugere que cerca de 12 Mha sejam destinados à conversão para agricultura, área equivalente ao crescimento projetado pelo MAPA até 2030/31, 20 Mha para Sistemas Agroflorestais e diferentes tipos de Integração entre Lavoura, Pecuária e Floresta, e 12 Mha para recomposição de passivos de vegetação nativa, sendo 8 Mha em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e 4 Mha em Reserva Legal. 

Restariam, ainda, aproximadamente 31 Mha de pastagem degradada, sem potencial para a agricultura nem para a regeneração natural, para serem recuperados e acomodar uma pecuária mais moderna e produtiva, resultando em maior número de animais (e maior produção de carne) em um menor espaço de terra. Estima-se que o aproveitamento médio dos pastos no Brasil é de cerca de 30% de seu potencial, o que significa dizer que, se a capacidade produtiva destes 31 Mha de pastagens degradadas fosse “apenas” duplicada, sobraria terra mais do que suficiente para absorver o crescimento da produção de carne projetado pelo MAPA até 2030.

No âmbito de sua estratégia integrada, o PlanaFlor identificou e mapeou áreas prioritárias para recuperação de pastagem e conversão para outro tipo de uso do solo. Esta proposição tem como base análises técnicas que identificaram áreas prioritárias para a expansão agrícola, para a implementação de sistemas integrados (agricultura de baixo carbono) e para a recomposição de passivos de vegetação nativa.

Se, por um lado, a recuperação de pastagens e conversão para outros usos do solo é um componente fundamental para o crescimento das atividades produtivas rurais sem novos desmatamentos, por outro, incentivos econômicos para a manutenção da vegetação nativa existente exercem um papel importante na equação de promover o desenvolvimento rural em bases sustentáveis.

A despeito de o Código Florestal apresentar normas rígidas de conservação das florestas dentro das propriedades privadas no Brasil, especialmente na forma de Reserva Legal e de Áreas de Preservação Permanente, o PlanaFlor estimou a existência de aproximadamente 110 Mha de vegetação nativa conservada dentro de áreas privadas que excedem a obrigação definida pelo Código Florestal como Reserva Legal, das quais, cerca de 50% poderiam, teoricamente, ser legalmente desmatadas em posse das autorizações e licenças requeridas. 

Cruzando os dados do Cadastro Ambiental Rural – onde estão inscritos quase 7 milhões de imóveis – com informações recentes sobre o uso e cobertura do solo do país (MapBiomas), a BVRio identificou mais de 440 mil imóveis com excedentes de vegetação nativa, ou seja, imóveis que possuem florestas e outras formas de vegetação acima do que a lei obriga. Juntas, estas áreas somam pelo menos 59,3 milhões de hectares de excedentes de vegetação nativa, já descontadas as sobreposições entre imóveis, que são muito comuns no SICAR, que é um registro auto-declaratório. Estas são áreas passíveis de serem desmatadas legalmente e, por isso, são necessárias políticas públicas e de investimentos privados para que permaneçam conservadas, saudáveis e provendo os serviços ecossistêmicos dos quais depende nosso desenvolvimento e bem-estar. Saiba mais no painel Florestas a Mais.

O PlanaFlor aponta que o desmatamento ilegal deve ser enfrentado por meio das práticas de comando e controle e, para isso, sugere ações de monitoramento, aceleração das análises do CAR, integração de base de dados, entre outros. O desmatamento legal, contudo, deve ser enfrentado por meio da valorização destas áreas, isto é, da valorização dos ativos ambientais. Para isso, sugere uma série de incentivos econômicos, além da importante regulação do mercado nacional de carbono. 

Modelagem realizada pelo PlanaFlor demonstra que a expansão agropecuária e a mudança do uso do solo proposta pelo plano estratégico por meio do cumprimento do Código Florestal, podem gerar crescimento do PIB de cerca de R$ 6,5 bilhões ao ano e movimentar mais de R$ 400 bilhões na economia do país até 2030, além de serem fundamentais para que o Brasil cumpra com suas metas nacionalmente determinadas (NDCs) no âmbito do acordo de Paris.

Além disso, em 8 anos, a estruturação da cadeia produtiva da restauração, necessária para fazer frente ao desafio de recompor 12 Mha de passivo de vegetação nativa, o fortalecimento da agricultura familiar e o crescimento da agricultura de baixo carbono, trariam enormes benefícios sociais e ambientais. Seriam mais de 2,5 milhões de trabalhadores da agricultura familiar fortalecidos em uma área de 11,4 Mha, gerando inclusão social no campo e diminuição das desigualdades, cerca de 2,5 milhões de novos empregos, mais de 25 Gt de CO2eq. estocados nas florestas, que seriam sequestrados ou deixariam de ser emitidos para a atmosfera, 31 Mha de pastagens degradadas recuperados, 20 Mha convertidos para agricultura de baixo carbono,  conservação de 110 Mha de vegetação nativas e recomposição de 12 Mha de passivos de vegetação, que contribuiriam não apenas para o clima, mas também para conservação da biodiversidade e para  prestação de uma variedade de outros serviços ecossistêmicos, tais como a regulação hídrica e a provisão de recursos florestais madeireiros e não-madeireiros. 

Soma-se a tudo isso as externalidades que podem se manifestar na forma de benefícios à saúde das pessoas (e menores gastos governamentais), à manutenção do regime de chuvas e da produtividade agrícola, da navegabilidade dos rios, entre outros. Para citar um exemplo concreto, estima-se que a emissão de 1 tonelada adicional de CO2 representa um custo social global de até U$ 185. Isso significa que os 25 Gt de CO2 que deixariam de ser emitidos com a implementação das ações propostas no PlanaFlor resultariam em uma “economia” global que supera os U$ 4,5 trilhões. 

Com isso, o PlanaFlor demonstra que não existe conflito entre conservação ambiental e crescimento econômico. Pelo contrário, a conservação deve impulsionar a economia do país, servindo também como modelo para outros países interessados em adotar práticas agrícolas sustentáveis associadas à preservação das florestas.


Notas:

1) Decreto nº 11.815

2) 2 Plano setorial para adaptação à mudança do clima e baixa emissão de carbono na agropecuária com vistas ao desenvolvimento sustentável (2020-2030) – https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/sustentabilidade/agricultura-de-baixa-emissao-de-carbono/abc/metas-do-abc

3) Barreto, P. 2021. Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento. Amazônia 2030, Agosto 2021. Imazon.

4) Desenvolvido por BVRio, CSF, FBDS e FGV, disponível em https://planaflor.org

5)  Lei de Proteção da Vegetação Nativa (12.651/12)

6) Barreto, P. 2021. Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento. Amazônia 2030, Agosto 2021, Imazon.

Arantes, A.E.; Couto, V.R.M.; Sano, E.E. e Ferreira, L.G. 2018. Livestock intensification potential in Brazil based on agricultural census and satellite data analysis. Pesquisa agropecuária brasileira, Brasília, v.53, n.9, p.1053-1060, setembro de 2018.

7) Gurgel, A. C., Souto, B. F., Rosseti, E. S., Roveda, G., Vinhas, G. Análise de impacto da implementação do Código Florestal sobre o PIB e o uso da terra (Projeto Planaflor – Rio de Janeiro, RJ, número 17, 2022). 34. Available at: www.planaflor.org