O lixo não pode esperar, nem vai sair do lugar: porque soluções da economia circular devem incluir catadores informais para construir um mundo sem poluição plástica

Estima-se que há mais de 20 milhões de catadores informais trabalhando em todo o mundo, um exército de especialistas em materiais recicláveis e responsáveis pela limpeza de resíduos do meio ambiente, sobretudo em lugares onde não há gestão de coleta. Os catadores sabem identificar quais resíduos podem ser inseridos na cadeia de reciclagem, desempenhando um papel de pivô central para dar uma resposta imediata à poluição por resíduos, enquanto um novo paradigma legal ainda dá os primeiros passos para impor mais responsabilidade sobre os produtores de plástico.

O Tratado Global sobre Plásticos avança, mas deveria incluir os catadores entre suas soluções, sobretudo para enfrentaro problema em países onde a coleta seletiva e destinação adequada de resíduos sólidos é inexistente ou insuficiente, como o Brasil. Ao envolvê-los, é possível criar sistemas mais robustos de coleta, triagem, reciclagem e recuperação de materiais plásticos, estabelecendo uma cadeia de valor mais completa e a minimização dos impactos ambientais negativos associados à produção de plástico. 

Por isso, há mais de uma década a BVRio trabalha com catadores e cooperativas em soluções de mercado que aumentam suas rendas e proteção social para continuarem a desempenhar esse papel vital de limpeza urbana e do meio ambiente. Incluir os catadores informais nas nossas soluções da economia circular requereu uma abordagem holística para enfrentar a poluição plástica, cuja inclusão não apenas beneficiou a categoria com melhores condições de trabalho e renda, mas também contribui para que uma quantidade maior de plásticos seja recuperada e reciclada, diminuindo assim a poluição.

Organizadas e eficientes, as cooperativas beneficiam-se de parcerias e oportunidades de colaboração para continuar a se desenvolver e expandir suas operações. Recentemente, por meio do apoio da Alliance to End Plastic Waste, a BVRio ajudou a cooperativa Coopama, no Rio de Janeiro, a aumentar suas operações em 300%, engajar 50% mais catadores e expandir sua área de alcance em apenas 12 meses. Esse aumento de produtividade, garantiu que a cooperativa continuasse com todas as operações mesmo com o preço de venda do material reciclado tendo despencado para metade do valor negociado no fim do ano passado. Os novos contratos firmados garantiram a sustentabilidade da operação e ampliaram o número de domicílios e empresas atendidas pelas coletas de resíduos sólidos.

E não são apenas os catadores formais que podem ser envolvidos na coleta de resíduos do meio ambiente. Na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, três colônias de pescadores estão dedicando dois dias por semana à coleta de resíduos na baía. Sem condições de manter seu cronograma de pesca tradicional devido à escassez de peixes, os pescadores abraçaram essa nova atividade profissional e, em apenas 12 meses de trabalho, relataram ter visto melhorias no ecossistema do mangue e o retorno da vida marinha. Isto comprova que este modelo de iniciativa tem um enorme potencial de escalonamento em comunidades pesqueiras em todo o mundo. As atividades do grupo são atualmente financiadas pela empresa social italiana Ogyre, e a recuperação do plástico é registrada e verificada pela BVRio.

De modo a garantir transparência aos recursos financeiros que são pagos diretamente aos catadores, a BVRio desenvolveu o KOLEKT, aplicativo de tecnologia móvel, fundamental para a implementação dessas abordagens para gerar eficiência e impactos sociais positivos das operações. O KOLEKT é o primeiro aplicativo de gestão de resíduos multimateriais do mundo, tendo sido testado por catadores e adaptado para melhor atender a categoria e conectá-los a geradores de resíduos e recicladores. Atualmente, o KOLEKT está sendo aplicado em projetos no Brasil, Vietnã, Indonésia, Moçambique e Angola, permitindo a disponibilização de recursos de diversas fontes para financiar a coleta e descarte adequado de diversos tipos de materiais.

A exemplo da experiência de um projeto piloto no Vietnã, financiado pela Tetra Pak por meio da PRO Vietnam, é possível usar o KOLEKT para incentivar a coleta e a reciclagem de materiais específicos, neste caso, embalagens cartonadas de bebidas. Assim, os produtores têm a oportunidade de financiar a recuperação e a reciclagem dos materiais que produzem diretamente e fomentar a coleta em todos os países onde operam. Por meio do aplicativo, os catadores são notificados sobre os materiais em demanda e o preço a ser pago para a coleta. Como o KOLEKT foi desenvolvido pensando na inclusão de todos os catadores, o aplicativo também funciona em telefones celulares mais simples e pode inclusive ser usado por catadores que não têm telefone.

Em conjunto com medidas para restringir a utilização de produtos plásticos de uso único, esperamos que o Tratado Global sobre Plásticos estabeleça medidas específicas para garantir a inclusão de catadores de materiais recicláveis, profissionais em posição favorável para recuperar os resíduos já vazados no meio ambiente. O impacto ambiental e social do trabalho realizado pelo setor informal de resíduos pode ser enorme mesmo com uma pequena parcela dos investimentos em logística reversa e regulações de responsabilidade estendida do produtor.